quarta-feira, 11 de julho de 2007

O "vício" em comida explica a explosão da obesidade?

Nanci Helmich

Há muito que a obesidade é atribuída à falta de força de vontade, a comer em excesso, à genética e à falta de exercícios. Cada vez mais, porém, oscientistas encontram sinais que sugerem que pode haver um fator adicional: o vício em comida.Nas noites de segunda e terça-feira (10/7), dezenas dos principaispesquisadores do país em obesidade, nutrição e vício discutiram se a comida tinha propriedades viciadoras para algumas pessoas. Eles estavam reunidos em New Haven, Connecticut, em um encontro patrocinado pelo Centro Rudd de Política Alimentar e Obesidade da Universidade de Yale."Há suficientes dados científicos sugerindo haver algo, então estamosreunindo as principais autoridades para decidir se o vício em comida é real e quais são os fatores psicológicos e biológicos subjacentes", diz Kelly Brownell, diretor do Centro Rudd."É surpreendente que nosso campo tenha negligenciado este conceito por tanto tempo", diz ele. "A sociedade culpa as pessoas pela própria obesidade e fechou-se para outras explicações."A idéia do vício em comida vem de estudos em animais e humanos, inclusive de pesquisas de imagens do cérebro em humanos, diz Mark Gold, diretor da medicina do vício no Instituto Cerebral McKnight da Universidade da Flórida, co-organizador do encontro.Em ambiente médico, "avaliamos as pessoas que estavam pesadas demais para deixar suas poltronas e grandes demais para passar pela porta", disse ele. "Elas não comem para sobreviver. Amam comer e passam o dia planejando suas próximas escolhas de comida que encomendarão."A psiquiatra Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional e Abuso de Drogas, palestrante na reunião, diz que a pesquisa nessa área é complicada, mas os problemas de peso da maior parte das pessoas não são causados pelo vício em comida.Alguns estudos se concentram na dopamina, um neurotransmissor do cérebro associado com o prazer e com a recompensa. "O mau funcionamento do sistema de dopamina do cérebro pode deixar algumas pessoas mais vulneráveis a comer compulsivamente, o que pode levar à obesidade mórbida", disse Volkow. Ela fez pesquisas inovadoras na área, no Laboratório Nacional do Departamento de Energia em Brookhaven.Para alguns compulsivos, a vontade de comer é tão intensa que supera amotivação de se envolver em outras atividades recompensadoras e dificulta o exercício do autocontrole, diz ela. Isso é similar à compulsão que umapessoa viciada sente para tomar drogas, diz ela. "Quando isso ocorre, o comportamento de comer compulsivamente pode interferir no bem estar e na saúde."Há, entretanto, muitas diferenças entre o vício em drogas e a intensacompulsão por comida, disse ela. A comida é necessária para a sobrevivência, e comer é um comportamento complexo, envolvendo muitos hormônios e sistemas diferentes do corpo, não só o sistema de prazer e recompensa, diz Volkow. "Há múltiplos fatores que determinam quanto a pessoa pode comer e o que come."Ela não acredita que a maior parte dos casos de obesidade possa ser atribuída ao mau funcionamento dos sistemas de dopamina do cérebro. Hámuitas causas para o excesso de peso, inclusive hábitos alimentares pouco saudáveis, falta de exercícios, vulnerabilidade genética e estresse, disse ela.Apesar de não haver uma definição oficial do vício em comida, Gold define o problema de forma muito parecida à dependência de outra substância: "Comer demais apesar das conseqüências, mesmo terríveis à saúde; preocupar-se com comida e com o preparo das refeições; tentar e fracassar em diminuir a ingestão de comida; sentir-se culpado de comer e de comer demais."Ele acredita que alguns alimentos têm maior poder de viciar do que outros. "Talvez as rosquinhas com alto teor de gordura e açúcar causem mais recompensa ao cérebro do que a sopa."Outros ridicularizam a idéia de vício em comida. "Isso é uma banalização do termo 'vício'", diz Rick Berman, diretor executivo do Centro de Liberdade do Consumidor, grupo financiado pela indústria de restaurante e alimentos. "O termo está sendo usado de forma abusiva. As pessoas não estão assaltando lojas de conveniência para agarrar uns bolinhos. Muitas pessoas amam cheesecake e comeriam a sobremesa toda vez que fosse oferecida, mas eu não chamaria a isso de vício", diz ele. "A questão aqui é a intensidade dos desejos das pessoas".

terça-feira, 10 de julho de 2007

Da honra e da vergonha perdidas

Artigo de Ubiratan Jorge Iorio de Souza, em 09/07/2007. Há uma forte e preocupante sensação de que muitas pessoas, "neste país" governado pelo "maior presidente de todos os tempos", perderam definitivamente a honra e a vergonha.Conforme noticiou fartamente a mídia que o ministro da Agricultura, Florestas e Pesca do Japão (lá, eles têm o bom costume de economizar ministérios), por ter seu nome envolvido em uma acusação de corrupção que assoma a R$446,7 milhões, suicidou-se, para não ter que se submeter à execração pública. Na cultura nipônica, a perda da honra perante a sociedade costuma motivar inúmeros casos de auto-imolação: apenas no ano de 2004, foram registrados 32 mil casos.A raiz dos sentimentos de honra e vergonha - intrínsecos e inerentes a homens e mulheres não corrompidos -, bem como o elevado valor atribuído ao primeiro, está no fato de que não nascemos para sermos solitários, mas para sermos solidários: um Robinson Crusoé em uma ilha deserta não tem porque prezar sua honra e nem sentir vergonha. É natural, portanto, que o homem aspire a ser considerado um membro útil na sociedade, capaz de cooperar com os demais e, portanto, a ter o direito de participar das vantagens que a vida em comunidade oferece. Para tal, precisa fazer o que se lhe exige e o que dele se espera, seja como indivíduo, seja na posição social que eventualmente ocupa, o que o leva a sentir que o importante não é o que representa na sua própria opinião, mas na dos outros, que emerge como um forte valor. Essas exigências explicam a espontaneidade do atributo chamado de honra ou - de acordo com as circunstâncias -, de pudor, que o deixa ruborizado de vergonha quando acredita ter subitamente decaído na opinião dos outros, mesmo quando sabe ser inocente: é o chamado dano moral.Ainda no século XVIII, Matias Aires já ensinava que "não há maior injúria que o desprezo, porque o desprezo ofende a vaidade; por isso a perda da honra aflige mais que a da fortuna, não porque esta deixe de ter um objeto mais certo e mais visível, mas porque aquela toda se compõe de vaidade, que é em nós a parte mais sensível". De fato, é mais difícil para o homem digno expor a sua honra por amor à vida do que sacrificar a própria vida por amor à honra.Como compreender, então, que muitas importantes figuras públicas brasileiras também acusadas de corrupção ajam com freqüência como se fossem verdadeiros heróis nacionais? Não chego ao extremo de pleitear que se transformassem em japoneses e se suicidassem, porque só a Deus cabe dar e tirar a vida de seres humanos, mas não posso deixar de observar o triste Brasil de hoje, em que atributos como honra e vergonha, para muitos homens públicos, não passam de palavras, apenas palavras, nada mais do que inúteis e vãs palavras. Vampiros e mensaleiros; sanguessugas e navalheiros; lobistas e empreiteiros; irmãos, cunhados, secretárias, esposas, namoradas e amantes; citados por formação de quadrilha e assemelhados... O que leva tantas pessoas importantes não apenas a desprezarem a própria honra e a perderem completamente a vergonha, mas a mentirem flagrantemente, encenando espetáculos bufos repletos de subterfúgios e de encenações, para enganar a opinião pública? E - pior - porque a grande maioria desses inimigos da pátria recusa-se a abandonar a vida pública? Ou - o que ainda é mais preocupante - por que têm o desplante de pleitear anistias (e, muitas vezes, até conseguem ser reeleitos), no caso de parlamentares, ou de permanecerem em seus cargos, no caso de magistrados, funcionários públicos, executivos e, novamente, de parlamentares? O ar está tão podre "neste país" que honra parece ser apanágio de otários; vergonha, de bobocas; pudor, de freiras enclausuradas e dignidade, de idiotas! O importante não é servir, mas servir-se; não é prover, mas locupletar-se e não é trabalhar, mas enriquecer a qualquer custo!Corruptos, desonrados, sem vergonhas e indignos há em todos os jardins do mundo, mas na maioria deles não grassa o capim bravo da impunidade e a tiririca das punições brandas; corporativismo e patrimonialismo espraiam-se também por outras culturas, mas nem de longe vicejam como cá. E chefes de executivos débeis e despreparados também pousam em arbustos de outras paragens, mas, lá, não gorjeiam como cá! Porque, lá, existe Lei e porque a Lei que lá existe é igual para todos.

Sobre o autor:Doutor em Economia (EPGE/Fundação Getulio Vargas, 1984), Economista (UFRJ, 1969).